Adeus?

01 de março de 2074

Fui proibido de escrever durante estes 1.289 dias, ao que parece minhas "interferências" no mundo de vocês causou alguns avanços acelerados e os cientistas que controlam o projeto do DataTransporter detectaram alterações na malha do espaço-tempo (nem tudo é tão estranho pra mim agora) e optaram por interromper o estudo para poderem analisar os dados com maior cautela.

Ao que parece informações que aqui transmito, conseguem afetar a tecnologia da época de vocês e isto está afetando diretamente a nossa tecnologia também, de um modo tão discreto que apenas os dispositivos de aferição conseguem perceber.

Infelizmente ainda não sei quando poderei voltar a escrever, os pesquisadores ainda não terminaram de analisar os dados para saber se seria "seguro" continuar transmitindo as informações.

Ao que parece o passado está avançando e o futuro junto com ele, cada vez mais próximos e ao mesmo tempo ainda mais distantes.

Espero poder escrever mais no futuro...

...isso se vocês já não estiverem por aqui.

Axis?

20 de agosto de 2070.

continuando...

Um shopping, realmente, minha noção da realidade está se fechando em si e quase deixando de existir; era o que eu pensava quando Valter revelou nosso destino.

Um prédio totalmente transparente com passarelas de chão, do lado de fora um gigantesco holograma 3D nos convida a entrar no prédio, algumas passarelas móveis guiam os visitantes por entre as lojas e os hologramas de propaganda. “Vamos te comprar um Axis” referia-se Valter, como depois explicou, aos dispositivos que agregam as funções de celular, chave de carro, monitor biológico, computador e etc; um integrador digital.

O do Valter, que parece com um celular touch high tech é o mais básico, de todas as formas e cores, seus processadores quânticos miniaturizados batem de longe os supercomputadores de 2012 funcionando literalmente na velocidade do pensamento como vocês virão.

Fui olhando e escolhendo, alguns modelos mais complexos, outros mais simples; um funcionava como um bracelete, camuflando-se à pele do usuário quando este não o estiver utilizando; outro era feito de nanomáquinas que com o apertar de um botão transforma-se em uma pulseira, um colar, um joystick ou um visor, alterando as propriedades de suas partículas.

Valter disse ainda que existem outras formas de conectar-se à rede através de tatuagens cibernéticas ou implantes cerebrais, mais rápidos e precisos, mas são muito invasivos e por isso ele prefere não utilizar.

Reparei no que pareciam dois adesivos em formatos de pequenas gotas disformes achatadas, Valter percebeu minha curiosidade e mostrou que também tinha um par daqueles e ao falar desligou o holograma que os camuflava e dois dos mesmos dispositivos à minha frente estavam colados às laterais de sua testa.

“São Axis cognitivos, são os mais caros” explicou “Conectam-se ao sistema nervoso da pessoa através de pulsos eletromagnéticos”. Perguntei qual poderia comprar ao que ele respondeu que qualquer um porque estava sendo bancado pelo governo como um “correspondente do futuro” ou coisa parecida; resolvi comprar o básico e o cognitivo, que fui aconselhado a não utilizar por enquanto.

Saímos do shopping pelas mesmas passarelas anteriores e no caminho de volta Valter me explicou como utilizar o Axis mais básico, é uma finíssima folha plástica transparente e extremamente maleável, mas impossível de rasgar, quando ativada enrijecia e se transformava em uma espécie de vidro retangular do tamanho de um celular.

Alguns botões saltavam aos olhos, 3D, são bastante visuais e não tive problemas em me adaptar à maioria deles, mas não consegui fazer uma ligação ao que Valter apercebe-se, sem deixar de demonstrar certa surpresa; mostrou como adicionar o meu DNA como dono do telefone e como adicionar o DNA de outras pessoas para contatá-las, com a autorização delas “Lógico”.

O GPS mostrava minha localização e altitude, precisão de milímetros – quem disse que o Grande Irmão não podia ficar maior?  - assim como as características atmosféricas. Soube que sua tela captava energia tanto solar quanto do calor das mãos e que caso nenhuma das duas estivesse disponível, os postes de luz ainda são capazes de transmitir a sua energia em excesso para todos os dispositivos ao redor, por meio de ondas, sem custo.

Quando aprender o resto eu explico melhor.

Dando uma volta

Brasil, 20 de agosto de 2070.

Valter chamou para entrarmos em um daqueles metrôs, existem algumas plataformas ao longo das linhas, arredondadas feitas quase que inteiramente de uma resina transparente, contendo apenas os bancos e paredes interativas ao toque, que disponibilizam os mapas das linhas e os botões de emergência. Tirando alguns vídeos comerciais que tomavam conta de toda a redoma e interagiam conosco, não havia nada de diferente, aparentemente.

Enfim, estava deslumbrado com a propaganda sendo veiculada na redoma e não percebi quando o trem se aproximou, apenas quando suas portas, já abertas, emitiram um sonoro e visual bipe vermelho, quase ordenando a nossa entrada. Ainda fiquei olhando por alguns segundos um filme publicitário sendo veiculado na sua superfície externa até que Valter me puxou pelo braço com um ágil “Vamos”.

Escolhemos um lugar para sentarmos, não estava cheio, nem tampouco vazio, as cadeiras eram de um material meio emborrachado, esquisito para mim, mas muito boa de se sentar, com um pouco de tempo acostuma-se ao corpo do seu dono temporário.

Não há janelas, quer dizer, as paredes internas são todas opacas num leve tom bege, mas caso você faça um gentil arrasto com os dois dedos na superfície vítrea, ela relevará o exterior, criando uma janela personalizada que dura em torno de uns 10 minutos e depois desaparece.

Na parte de trás das cadeiras à nossa frente há uma tela onde podemos assistir às notícias da manhã, sem som. Nada muito futurista pensei, ao passo que Valter posiciona o seu dedo em um espaço destacado no encosto da poltrona e fixa os seus olhos na pequena tela, faço o mesmo e tomo um susto, retirando rapidamente o dedo para novamente colocá-lo com um pouco mais de desconfiança, posso ouvir perfeitamente o que falam na pequena TV à minha frente.

“Ressonância” explica Valter, “A poltrona utiliza o seu braço como um condutor para o som chegar até os seus ouvidos, é a mesma coisa na plataforma, assim evitamos poluição sonora”, sou um bobo, pensei, mais essa.

Valter me ensina mais um truque: pega o que parece ser um pequeno tubo branco do seu bolso, abre e retira um pequeno plástico enrolado, desenrola a ponta e aperta um dos cantos, o plástico se desenrola e enrijece virando uma pequena placa de vidro com um pequeno chip no canto e no restante da placa transparente aparece a foto de sua esposa. Valter ativa o chip e este conecta com a parede do trem que abre uma pequena tela próxima a ele, ativa um dos jogos do “celular” e começa a jogar tranquilamente, enquanto eu já boquiaberto termino de deixar cair meu queixo ao chão.

“Olha só” diz pra mim enquanto fecha o jogo e abre uma tela onde aparece a planta aérea do metrô de superfície com seus respectivos lugares e nestes algumas fotos de pessoas ou pontos de interrogação; “As interrogações são os anônimos, as fotos são pessoas que estão aqui no trem e que estão logadas na nossa rede social”, enquanto isso ele olhava para uma dupla de jovens garotas ao nosso lado: Marcela e Carol, constavam os seus nomes na tela do gadget; elas riram contidas pela nossa indiscrição.

Saímos sem mais, “A aliança estava coçando” disse Valter sem jeito.

Sol no rosto

Brasil, 20 de agosto de 2070.


Saímos da clínica, já podia andar normalmente e recuperei boa parte do meu vigor físico de outrora, tenho que admitir que o meu coração pulava naquela hora, nunca tinha saído da clínica desde que eu “acordei”, tentei me preparar psicologicamente para qualquer coisa que eu por ventura possa encontrar lá fora, mas não sei se isso seria suficiente.

Cruzei o hall de entrada da clínica e me aproximei da porta de saída, Valter está ao meu lado feliz e sorridente, dá uns tapinhas nas minhas costas para tentar me encorajar, um sorriso mais que amarelo foi a minha resposta.

Após um scanner de DNA a distância checar quem eu era e uma linda moça confirmar que eu realmente tinha recebido alta da clínica, a porta abriu; assim que saí, abri os braços, ergui a cabeça, fechei os olhos e respirei profundamente, o ar era limpo e o sol da manhã batia no meu rosto, eu tinha me preparado para algo estilo “Quinto Elemento” com carros voadores, muita fumaça, sujeira e pessoas com roupas estranhas e cabelos esquisitos.

Ok, os cabelos esquisitos estão aqui, das mais diversas cores e formatos e as roupas também, não são realmente extravagantes, pelo menos não a maioria. O que eu achei interessante é que quase todas, explicou o Valter, funcionam como painéis de LED de DNA e ao invés de estampas as pessoas colocam um vídeo da internet, seu perfil em uma rede social, uma foto, o clipe da música que estão ouvindo ou a tela do que estão jogando.

As ruas de asfalto ainda existem, mas estão lentamente sendo substituídas por metrôs de superfície, os carros que trafegam nas ruas são em sua maioria individuais e autônomos, fique inicialmente surpreso quando vi várias pessoas lendo ou retocando a maquiagem enquanto estavam sendo “levados” para trabalharem.

Não há árvores nas calçadas, foram substituídas por postes de luz que funcionavam por meio de luz solar, armazenada em baterias orgânicas auto regenerativas e utilizada à noite para iluminar os passeios. Alguns funcionam também como telefones de emergência, pontos de internet wireless, câmera de vigilância e painel de informações, com mapas, dicas de pontos turísticos e outros serviços.

Quanto às árvores de verdade, elas estão agora concentradas em áreas de preservação onde existe uma abundância de nascentes, dividas por tipo de bioma ou espécies que a habitam. São poucas, mas extensas, altamente vigiadas via satélite ou por meio de “drones”.

Grandes hidroelétricas não existem mais, foram desativadas devido à baixa demanda por energia, muito menos as usinas de energia nuclear, que foram fechadas antes das hidroelétricas devido aos resíduos que produziam; agora dão lugar a cidades ou áreas de preservação ambiental.

Perguntei ao Valter qual companhia de energia que possuía a concessão para tudo isso, ele simplesmente respondeu que nenhuma: todas as construções eram autossuficientes em energia devido aos avanços na tecnologia das células solares, que conseguem uma eficiência de quase 100% e às baterias auto regenerativas cuja validade depende apenas do seu invólucro. 

Acordando pt 2 e Valter

Brasil, 13 de Agosto de 2070.

A primeira cena que vi quando acordei eram várias pessoas, médicos, jornalistas e autoridades me observando do outro lado do vidro de uma câmara vertical, do mesmo modelo daquelas de filmes de ficção científica que assistira antes, estava frio, mas começava a esquentar lentamente. Olhavam, conversavam e riam entre si, enquanto robôs voadores munidos de câmeras filmavam os jornalistas á medida que estes falavam e gesticulavam sem, contudo, me perder do foco.

Estava apenas de cueca, alguns suportes macios me seguravam pelos ombros impedindo que eu me mexesse ou caísse, estava mais surpreso do que com medo daquelas pessoas, me mantinha imóvel, rígido, tentando imaginar o que estava acontecendo, não tive tempo porque a câmara se abriu e alguns enfermeiros apareceram para me ajudar a sair.

Caí, não conseguia me manter de pé, estava esquálido e fraco, trouxeram então uma cadeira de rodas high-tech, com um lindo design prateado e botões de contato brilhando em verde e azul, ao que ouvi um dos doutores falar “Não a ligue às suas sinapses, ele ainda não sabe controlá-la” e um dos enfermeiros apertou alguns botões da cadeira e esta desligou imediatamente, tornando-se uma cadeira de rodas “comum”.

Segui por entre aquele turbilhão de pessoas que me perguntavam coisas sem sentido, como eu me sentia, o que eu iria fazer, me sentia uma criança descobrindo o mundo pela primeira vez.

Foi quando fui guiado para dentro de uma sala por um dos doutores, o enfermeiro que empurrava a minha cadeira saiu da sala e fechou a porta, mas não sem antes dar passagem a outro médico já de idade. Estava ali com aqueles dois senhores alegres e entusiasmados, enquanto eu olhava aquilo tudo sem entender coisa alguma, um frente a mim, sentado em uma mesa de madeira, e outro ao meu lado acompanhando a conversa.

Conversamos sobre o que tinha acontecido, como eles tinham cuidado de mim, sobre o acidente, sobre a minha família, sobre o ano em que eu estava, chorei, tive vontade de gritar, mas minha voz ainda não tinha força para tanto, estava sufocado, era muito coisa para digerir, acabei desmaiando.

Recobrei minha consciência, fiquei sem falar sobre nada a ninguém durante meses, apenas olhando através da janela do hospital aquele novo mundo que eu feito Colombo descobrira, ou teria sido descoberto e contra a minha vontade melhor dizendo. Esperava que aquele mundo penetrasse por aquela janela e minha mente o absorvesse por osmose, estava triste, mas estava vivo, era isso que importava e não adiantaria ficar ali me lamentando pelo que aconteceu.

A partir de então comecei a conversar com minhas enfermeiras e consegui processar melhor as coisas, soube que poderia conseguir um emprego, uma nova vida. Comecei a frequentar as sessões com psicólogos, fisioterapeutas e médicos em geral, inclusive esta é uma parte interessante que deixarei para contar depois, e também a dar algumas entrevistas falando do meu estado de saúde, dos médicos e das coisas que ainda não sabia, entre elas: o rumo da minha vida.

Foi quando os médicos me disseram estar apto a realizar algumas visitas externas e botaram como meu guia o Valter, sujeito alegre e disposto, exímio conhecedor do tudo e especialista do nada, como ele mesmo diz!  Era mais que hora de redescobrir o meu próprio mundo novo.

Acordando

Brasil, 06 de Agosto de 2070.

Anh... para quem leu minha mensagem anterior, não, não errei a data, estou sim no ano de 2070, pelo menos é o que me dizem “por aqui”, ainda não consigo acreditar, não caiu a ficha ainda (inclusive essa expressão é considerada antiga nesta época).

Acordei do nada, confuso, disseram que devido a um acidente de carro eu entrei em coma quando tinha uns 20 anos, em janeiro de 2012, e que eu passei 15 anos envelhecendo normalmente no coma até que em 2027 descobriram um jeito de retardar drasticamente o envelhecimento induzindo um estado de semi-criogenia, deste modo acordei com 78 anos aparentando uns 40. Loucura? Vocês ainda não viram nada.

Sabendo do meu caso o governo me transformou em uma celebridade e me ofereceram a oportunidade de testar uma novíssima tecnologia que inventaram, o nome completo eu não lembro, gosto de chamá-lo de DataTransporter.

Ele envia os pulsos de informação que circulam na internet “hoje” para qualquer lugar no passado onde a internet tenha existido, assim como também consegue captar os pulsos enviados do passado como resposta, como se criasse uma fraca conexão com os antigos servidores. 

Não pude entender completamente, mas mesmo para quantidades mínimas de informação a máquina gasta uma quantidade de energia imensa, por isso não posso mandar imagens ou vídeos, apenas alguns textos curtos.

Por ser mais fácil escolhi este sistema de blog, por conter alguns templates prontos, economizando assim a quantidade de informação enviada e recebida; consequentemente economizando também a energia gasta no processo.

Existem restrições também quanto à informação que eu posso escrever aqui, bilhetes de loteria, citar nomes e até mesmo a minha família eu não posso contatar por aqui, porque eles ainda não sabem o que pode acontecer caso algo mais específico afete a minha linha de acontecimentos.

A parte boa, além de estar vivo e muito bem obrigado, é que eu posso escrever sobre a tecnologia e o modo de vida das pessoas desta época, eles também temem por alguma alteração drástica na linha, mas estão monitorando e se algo acontecer vão parar o experimento.

Ainda estou tentando colocar as peças juntas novamente, não enlouquecer (estou tendo sessões de terapia) e aprender e me acostumar a este novo mundo à minha frente, espero que este diário me ajude a enfrentar esta situação com certa “normalidade”.




À minha mãe: “Muito obrigado” e “Te amo.”.

Teste

1 2 3 Testando... aqui é o Marcelo, Brasil, 03 de agosto de 2070. Alguém me ouve? Aliás, alguém me lê?

Aguardo respostas!